Parem de chamar aos animais não-humanos de “invasores” por apenas tentarem existirem.


Animais selvagens estão a ser removidos das comunidades humanas e mortos em massa por todo o globo. Que fizeram os animais para merecer esta sentença?

Tradução de V.O.E. de um artigo de Marina Bolotnikova e Jeff Sebo em Sentient Media.











No início de janeiro, as autoridades australianas anunciaram que planeiam matar a tiro centenas de camelos. Que fizeram os camelos para merecer esta sentença? Eles procuravam por água, e essa procura os levou para perto de comunidades humanas.

O ano passado, autoridades federais e estatais norte-americanas gastaram 10 milhões de dólares para “erradicar” varas de porcos selvagens. Que fizeram os porcos para merecer esta sentença? Estavam à procura de comida, e essa procura, uma vez mais, os levou para perto de comunidades humanas.
Este ano, em Denver (EUA) planeia matar mais gansos vindos do Canadá, depois de ter chacinado 1600 o ano passado. O que fizeram estes gansos para merecer esta sentença? Apenas tentavam viver – Colorado (Denver) faz parte da sua rota histórica – e são vistos como um incómodo.

Estas histórias são apenas a ponta do icebergue. Os detalhes podem mudar, mas o tema principal é sempre o mesmo. Sempre que os interesses dos humanos e animais não-humanos entram em conflito, os humanos usam a violência, quase sempre de forma organizada em campanhas de puro extermínio, para resolver aparentes conflitos em “nosso” favor.

Em muitos casos, usam linguagem militarista e insinuações de catástrofe e medo para justificar esta violência contra outros animais. Em vez de caracterizar estes companheiros terráqueos que apenas querem existir como tal, os caracterizam como invasores e inimigos que vêem destruir as nossas comunidades. Por exemplo no The New York Times, em dezembro, intitulou a notícia acerca dos porcos selvagens desta forma: “Rangers e autoridades estatais mantêm a vigia a um exército inimigo que se reúne a norte, junto à fronteira com o Canada.”

A ideia passada de espécies invasoras é política e científica. O governo norte-americano, por exemplo, define espécies invasoras como “espécies estrangeiras que entrando no nosso território provavelmente causaram danos económicos e ambientais e até mesmo à saúde humana.” Por definição, a mera possibilidade de prejuízo nos interesses económicos é o suficiente para considerar espécies não nativas como invasora. Ecologistas de renome, como Marc Bekoff, fazem nota que estas crenças sobre o impacto das “espécies invasoras” são valorizadas ao ponto de serem decisórias acerca da vida ou morte de animais, mesmo que se tratem apenas de meras hipóteses.

Quando usamos retórica acerca de espécies invasoras como tal, a linguagem contribui para a violência contra outros animais. Esta retórica cria distância com animais não-humanos, apagando-os como indivíduos que têm valor como tal e apagando que os humanos atacam e matam muito mais os não-humanos que o oposto. Esta retórica torna mais fácil racionalizar que matar é a solução em vez de procurar uma coexistência pacífica com os restantes terráqueos.

outros animais. Também a criamos por chamarmos indivíduos animais como “aquilo” e por apelidarem violência sobre certos animais como “abate”. A linguagem é tanto um produto, como um contributo, para uma enraizada ideologia que prioritiza os interesses humanos em relação a todos e a tudo o resto, uma ideologia que suporta a politica de terminar qualquer “ameaça” aos interesses humanos usada qualquer meio necessário.

De acordo com esta ideologia que tem o ser humano como central, os humanos (ou, pelo menos, alguns humanos) têm direito à sua autodeterminação e individualidade. Qualquer outro animal tem apenas uma função ou “papel” baseado no valor que terá para o ser humano. Numa extremidade deste espectro, uns animais são domesticados e supostamente viver toda a sua vida em cativeiro e dar ao humano benefícios desde amor a comida. Na outra extremidade, temos os animais selvagens que é suposto viverem na natureza e darem aos humanos benefícios, que vão da estética a serviços eco-capitalistas. Se os animais obedecerem ao seu “papel”, talvez os deixemos em paz. Mas ao mínimo desvio à função atribuída, e o ser humano responde com rapidez e brutalidade.

Esta retórica, claro, não é a única maneira de os humanos criarem distância com A atividade humana está a deixar, cada vez mais, os outros animais sem local para viver. A nossa espécie está a tomar cada vez mais “conta” de todo o planeta, e isto também, através das alterações climáticas provocadas pelos humanos, que torna o planeta cada vez mais inabitável. Não é coincidência que porcos, camelos e gansos, e outras espécies “invasoras” andem em desespero procurando por comida, água e abrigo. A escassez de recursos sempre foram uma ameaça para os animais não-humanos, e os humanos estão a piorar e a criar novas escassezes de recursos. O ser humano está a punir os animais por tentarem sobreviver aos problemas criados pelo humano.

Que tal, em vez de assumirmos que os animais não-humanos estão aqui para nós, aceitarmos que eles merecem e estão aqui para viver as suas vidas? Até podemos aprender e nos inspirar em vez de nos sentir ameaçados com as formas surpreendentes e criativas com que os outros animais se adaptam. Por exemplo, os porcos só existem em ambos os continentes americanos porque os humanos os trouxeram para comer, e mesmo assim são bastante resilientes quando em estado selvagem. Eles conseguem sobreviver a muitos climas, a estão a adaptar-se ao tempo frio do Canadá e norte dos Estados Unidos aprendendo a usar a neve para criar ao que já chamam de “pigloos” (iglus de porcos).
Igualmente, que tal, se em vez de usarmos outros animais como culpados para a escassez, não aceitamos que são os humanos os responsáveis? O nosso foco devia ser no comportamento humano que está a causar todos estes problemas. Camelos, por exemplo, só existem na Austrália porque os colonialistas os trouxeram para serem montados enquanto exploravam a região. Os camelos agora vivem em comunidades autónomas e agora os humanos os culpam – e os matam – por problemas de escassez de água. No entanto, é a pecuária a grande responsável por este problema e outros problemas ambientais.

Temos também de repensar a quem atribuímos as culpas pela violência contra outros animais. O nosso foco devia ser nas estruturas sociais que criam este conflito humano vs não-humano e os responsáveis deviam trabalhar nas estruturas e não no extermínio. Na Austrália, por exemplo, as pessoas mais responsáveis pela morte de camelos não são as comunidades aborígenes que aprovaram o “abate”; mas sim, os líderes políticos negacionistas das alterações climáticas e políticas racistas (e seus apoiantes) que criaram este dilema.

Muitos dos conflitos com outros animais poderão desaparecer com o tempo se restruturarmos a sociedade e formos mais inclusivos com as outras espécies. Quanto mais território e recursos protegerem para as outras espécies (como, por exemplo, criando mais parques e reservas), menos estes animais necessitaram de entrar nas “nossas” comunidades procurando comida, água e abrigo. Quantas mais comodidades criarem para outros animais nas “nossas” comunidades (fazendo, por exemplo, nossos edifícios e estradas mais “animal-friedly”), menor será o conflito na coexistência nestes espaços.Ao trabalharmos para uma sociedade mais justa tanto para humanos e não-humanos, o que deveremos fazer acerca destes camelos com sede, porcos com fome e outros animais à procura de satisfazer suas necessidades e sobrevivência? Talvez não, neste profundamente imperfeito mundo, tratar todos da maneira que merecem. Mas podemos – e devemos – arranjar melhores soluções de viver com todos os animais: já. Comecemos por parar de discutir estes assuntos descrevendo os outros animais como pestes e invasores e recorrer à violência como solução padrão, e talvez poderemos nos surpreender em como realmente “humanos” podemos ser.