Estará o movimento Vegan preparado para lidar com e fazer frente ao racismo?

 Tradução VOE de https://civileats.com/ (por S.)


Veganxsnegrxse activistas pelos direitos dos animais estão a apelar às suas e seus companheirxsbrancxs para abraçarem a interseccionalidade e gerarem mudanças estruturais de longo prazo.

Escrito por Charlie Mitchell e publicado em Civil Eats

 

No começo deste ano, a People for theEthicalTreatmentofAnimals (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais;PETA) publicou um anúncio da SuperBowl que afirma ter sido rejeitado pela Fox. O vídeo, de um minuto, mostra um conjunto de animais animados, entre os quais abelhas e águias-carecas, a ajoelhar-se ao som do hino nacional dos Estados Unidos da América (EUA). O anúncio termina com o hashtag “#EndSpeciesism.” (#AcabemComOEspecismo).

De acordo com a PETA, este anúncio publicitário surgiu como uma tentativa de “prestar homenagem a ColinKaepernick e a movimentos que rejeitam injustiças,” mas, para muitxs espectadorxs, incluindo aquelxs racializadxs, a comparação revelou-se extremamente ofensiva. Michael Harriot, colunista da revista TheRoot, descreveu o anúncio como um “desprezível mas expectável” exemplo de “chacota de 400 anos de opressão sistémica, comparando vidas negras a ursos-cinzentos e águias-carecas.”

A PETA define especismo como “a crença anacrónica de que os seres humanos são superiores a todas as espécies animais.” A campanha – bem como o sentimento subjacente – ofendeu desde logo defensorxs racializadxs do veganismo. Como escreve A. Breeze Harper, autora e fundadora do Sistah Vegan Project (Projecto Irmã Vegana), numa carta à PETA em 2014, “As pessoas negras continuarão a ser tratadas como animais… até que organizações pós-raciais, pós-humanistas, “eu não vejo cores”,poderosas como [a PETA] pratiquem os princípios do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) (e de muitos outros movimentos anti-racistas).

O conflito racial no movimento vegano não é de agora. Contudo, os protestos contra a violência policial e a supremacia branca que têm tido lugar por todos os EUA reavivaram,com renovada seriedade,esta conversa entre grupos veganos brancos, sobretudo aqueles que mantêm um compromisso unidimensional para com os direitos dos animais. Estes grupos sem fins lucrativos, que incluem a Humane Society of the United States (Sociedade Humana dos Estados Unidos), Mercy For Animals (Misericórdia Pelos Animais), a Humane League (Liga Humana), e a Animal Legal Defense Fund (Fundo de Defesa Legal Animal), são, em grande parte, formados por executivos brancos, que cumprem os desígnios de financiadorxs e de prioridades maioritariamente brancxs.

Alguns grupos ergueram as vozespela justiça racial ou concederam as suas plataformas para que líderes negrxs advoguem mudanças, e examinaram a forma como as suas organizações reforçam a supremacia branca e como poderão evoluir para melhor.Outras estão num estádio mais precoce do processo de aprendizagem, enquanto outrosainda não conseguem reconhecer as conexões entre justiça racial e as suas causas veganas.

À medida que esses grupos se questionam como – ou mesmo se – devem apoiar o movimento pelas vidas negras, as suas respostas revelam as etapas iniciais de um afastamento, feito a ritmo glacial, de sistemasque têm frequentemente excluído pessoas racializadas, tendo mesmo chegado, nos piores casos, a desprestigiar os seus movimentos.

O problema com o “Foco nos animais”

Quando, no verão de 2018, os bolos de caranguejo (crabcakes) veganos do restaurante de Baltimore Land of Kushentraram “no top 10 de pratos de marisco veganos” da PETA, a dona, NaijhaWright-Brown, ficou surpreendida e honrada.Mas depois, passada uma semana, a organização colocou um outdoor publicitário gigante de um caranguejo na orla marítima próxima do restaurante, implorando às e aos residentes da cidade que aderissem ao veganismo.

Quando este gesto desencadeou uma “guerra de outdoors” entre a PETA e um restaurante de marisco de referência de Baltimore, Jimmy’s Famous Sea food, o Land of Kush deu por si implicado no desastre. Wright-Brown afirma que a PETA “queria que o Land ofKush tivesse ido mais longe”. Ela declinou, mas ficou com a sensação de que a PETA não compreendia os desafios que ela, como empresária negra, enfrentava.

“O Land ofKush não está em posição de ter este tipo de debates em Baltimore”, declarou. “Há já uma guerra civil racial a acontecer aqui…. Não queremos contribuir mais para isso.”

Wright-Brown não está sozinha nesta experiência de alienação. Num estudo de 2018,que examinou as causas de burnout entre activistas pelos direitos dos animais, todxs xs activistas racializadxs entrevistadxs citaram o racismo nas suas organizações e no movimento como um todo como a razão para a sua dissidência do movimento.        


Gwenna Hunter (Photo courtesy of Vegans of LA)

“Quando me comecei a envolver com a comunidade dos direitos dos animais, não havia praticamente pessoas negras… e nunca se discutiam direitos humanos,” disse a organizadora negra de eventos veganos Gwenna Hunter à Civil Eats.Gwenna aderiu ao veganismo lentamente, primeiro motivada por razões de saúde, depois por ter visto vídeos sobre a indústria dos lacticínios.

Quanto mais profundamente se envolvia com a comunidade, mais esta mensagem ressoava: “O veganismo é sobre os animais, pois eles não têm voz. Assuntos relacionados com direitos humanos não devem ser discutidos,” afirmou. Por várias vezes foi interrompida quando trazia Black Lives Matter para conversa, e pensava, “É absurdo que ninguém queira ter estas conversas.”

Nos últimos anos, celebridades negras proeminentes, desdeBeyoncé a atletas negrxs de alta competição como Venus e Serena Williams, ColinKaepernick e Kyrie Irvingtêmpromovidopublicamente dietas veganas. Notavelmente, enquanto as razões do veganismo de celebridades brancas normalmente se prendem com a protecçãodo ambiente ou dos animais, pessoas veganas racializadas citam razões relacionadas com saúde como o motivador principal da sua alteração de dieta. E, enquanto as pessoas veganas brancas saturam a ribalta cultural – através de celebridades como Alicia Silverstein e Joaquin Phoenix – 8% das pessoas negrasestado-unidenses identifica-se como vegana, o que as torna quase três vezes mais propensas a evitar produtos animais do que qualquer grupo de pessoas desse país.

Apesar da população vegana dos EUA ser esmagadoramente negra, a maior parte das organizações sem fins lucrativos com orçamentos milionários servequase exclusivamente audiências focadas nas questões animais, uma prática que pessoas veganas racializadas têm vindo a enfatizar como alienante para as comunidades racializadas. Para Lori Kim Alexander, organizer do festival de Brooklyn Black VegFest, esta dissonância demonstra que “a anti-negritude está profundamente enraizada no sistema de ‘veganismo mainstream’branco.

Mais recentemente, têm sido partilhadas, quer em redes sociais progressivas, quer em contas especificamente veganas, ferramentas educacionaisque explicam o papel da supremacia branca no veganismo mainstream.Este conjunto de imagens(https://www.instagram.com/p/CB5q9tMpn3x/), por exemplo, recebeu 10000 ‘gostos’, e este post de 2019(https://www.instagram.com/p/CB8tRJ0nL94/) voltou a circular numa plataforma radical e recebeu 7000 ‘gostos’. No seguimento do assassinato de George Floyd, listas de restaurantes, cozinheirxs, educadorxs e escritorxs negrxs abundaram no mundo vegano durante algumas semanas.

Entretanto, activistas BIPOC (black, indigenous, and people of  color; negrxs, indígenas, e racializadxs) têm renovado os seus apelos à solidariedade dentro da comunidade. “Se as pessoas veganas conseguem ter amor e adoração por vacas, tambémconseguem amar dentro da sua espécie,” escreveram xs organizadorxs do BlackVegFest num documento que lista “7 pontos de colaboração (allyship) a para a comunidade vegana branca em defesa das vidas negras(https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdnJnqJ64IrSJEQvi6WfDFeC4omYcJctCNpfmLTkfXcKdpGxg/viewform). No mesmo documento pode ainda ler-se “Se as pessoas negras veganas conseguem praticar ainterseccionalidade, as pessoas veganas brancas também o conseguem.”

Grupos veganos brancos mainstream são frequentemente alvo de ondas de criticismo sem, no entanto, tomarem medidas sérias para gerarem mudanças. Alex Bury, um vegano branco que fez angariação de fundos em algumas das maiores organizações mainstream sem fins lucrativos pelos direitos animais, incluindo a Humane Societyofthe United Statese a PETA, afirma que esta é a abordagem típica. Quando o Movement for Black Lives (Movimento pelas Vidas Negras) e as denúncias de assédio sexual estiveram nas notícias, “fizeram algumas publicações e memes simpáticos, mas não passou disso”, diz Bury.

Novas campanhas, velhas tradições

O movimento vegano moderno ganhou vida em Birmingham, Inglaterra, durante a 2ª Guerra Mundial, com a fundação da Vegan Society (Sociedade Vegan), que empreenderam campanhas contra a crueldade para com os animais, particularmente cavalos, mulas e bois. Na altura da 2ª Guerra Mundial, a sociedade Ocidental era movida a equipamentos motorizados, e xs defensorxs dos animais mudaram o foco para as quintas e laboratórios. “Era sempre sobre os animais”, explica Victoria Moran, fundadora da academia Main Street Vegan e autora culinária best-seller.

Moran é vegan desde 1983, e foi mentorada por uma das pessoas que fundou a American Vegan Society (Sociedade Vegana Americana). Durante décadas, enquanto a cultura vegana branca entrava no mainstream, o racismo não era visto como relevante para os problemas que as pessoas veganas queriam resolver.

“Muitas pessoas brancas que se consideravam liberais, mente-aberta, e, certamente, não racistas – nós estávamos a leste,” contou Moran à Civil Eats. “A ideia de que existia racismo institucionalizado e de que nós fazíamos parte e beneficiávamos dele, nós não sabíamos isso até aos últimos quatro ou cinco anos… Não tenho orgulho disso, são apenas os factos.”

Entretanto, comunidades negras têm utilizado o activismo alimentar para se rebelarem contra injustiças desde a colonização. Como Alexander, do BlackVegFest, coloca, “Os nossos avós, os nossos bisavós, as nossas mães, pais, irmãs e irmãos – sempre trouxeram [tradições e culturas alimentares veganas] até nós. Se fomos capazes de as e os ouvir através do ruído branco – literalmente – é outra história.”

“Se o teu mercado é direccionado especificamente a pessoas brancas, estás efectivamente a dizer ‘Só nós é que importamos.’”

Na última década, BreezeHarper, AphandSylKo, BryantTerry, e outras pessoas têm introduzido liderança BIPOC no veganismo mainstream, ensinando práticas de justiça social ao mesmo tempo que oferecem receitas que têm ajudado as suas audiências a reinterpretar a história da culinária negra através de um enquadramento“à base de plantas”. Alguns círculos veganos brancos têm sido profundamente influenciados por estas novas narrativas, enquanto outros mantêm que a justiça racial nada tem que ver com o combate à crueldade contra animais. No entanto, dizem pessoas veganas negras, até os grupos veganos brancos começarem a abordar as suas audiências de forma diferente, o movimento vai continuar, por defeito, a alienarmembros BIPOC. “Se o teu mercado é direccionado especificamente a pessoas brancas, estás efectivamente a dizer ‘Só nós é que importamos,’” declara Alexander.

Está a haver mudança institucional?

Em alguns cantos do mundo vegano, há sinais de uma mudança significativa vindoura, apesar de os grupos não serem completamente claros em relação a como e quando.

“Queremos muito tornar-nos numa organização pelos direitos dos animais e anti-racista, embora também tenhamos noção de que esta pode ser uma mudança significativa para algumas pessoas,” escreveu a Presidente da Mercy for Animals (MFA) LeahGarcés numa declaração recente sobre anti-racismo. Na declaração, o grupo estabelece conexões entre o impacto que a agricultura industrial tem nos animais e o impacto que tem nxsembaladorxs de carne (muitos dos quais são refugiadxs) e em comunidades racializadas que, desde há muito, sentem o impacto da produção de carne.

A MFA está a incorporar as CriticalDiversitySolutions (Soluções Críticas para a Diversidade) de Breeze Harper para introduzir responsabilização de terceiros, assim como irá divulgar objectivos e métricas concretas sobre diversidade e inclusão nas “próximas semanas e meses”. A comunicação utiliza ideias e linguagem de colaboração (allyship) não encontradas no plano estratégico a 3 anos da organização, onde apenas se encontram alusões vagas a diversidade, sem incluir palavras como “racialização”, “racismo”, ou “branco”.

Mas a mudança não vem toda de uma vez. A declaração de missão da organização – “Existimos para acabar com a maior causa de sofrimento no planeta: a exploração de animais para alimentação – tem ainda que ser revista.

“Nós sabemos que há áreas nas quais podemos fazer melhor em termos de mensagens e programas para tornar o nosso movimento mais inclusivo e acolhedor para pessoas racializadas,” afirmou a porta-voz da MFA à Civil Eats. “Estamos a escutar pessoas do movimento animal racializadas, a educar-nos, e a ver onde podemos fazer mais para promover uma cultura anti-racista no nosso movimento.”

Gene Baur, fundador do FarmSanctuary (Santuário Animal), também reconheceu recentemente a branquitude esmagadora dos membros do grupo. “[A justiça racial] é uma área que tem sido de interesse para mim, pessoalmente, mas na qual não tenho investido tanto e, francamente, antes não tinha uma compreensão tão aprofundada como tenho agora [à luz de eventos recentes]”, disse Baur, que fundou a organização em 1986. “Estou, portanto, a aprender ao longo deste processo.”

O FarmSanctuary está no meio de um processo de planeamento estratégico, e apesar de ainda não haver “nada concreto” para oferecer em termos de compromisso, Bauer afirma que o grupo está a fazer progresso, e que está “muito optimista em relação à direcção que está a ser tomada.”

Baur está orgulho da sua equipa de comunicações, que fez um uso notável da sua plataforma, partilhando espaço da mesma com líderes BIPOC para xs encorajar adifundir mensagens e educação sobre o Black Lives Matter. “Os nossos membros estão habituados a ver imagens de animais fofinhos a correr pelos campos. O que é óptimo, e vamos continuar a partilhar essas imagens. Mas vamos fazer mais do que isso. Na minha óptica, estamos a transformar-nos no sentido de um novo nível de impacto, um esforço anti-opressão mais amplo.”

Em resposta a questões colocadas pela Civil Eats, a PETA enviou uma comunicação afirmando que membros do staff participaram em protestos Black Lives Matter e fizeram donativos à organização, e que a PETA “sempre acreditou no poder dos protestos, lutou por direitos e consideração iguais para todxs, e defendeu o fim da injustiça.”

Enfrentando a Supremacia Branca na Filantropia

Activistas e aliadxs apontam todxs um obstáculo como sendo a maior barreira à reforma de organizações de direitos dos animais, no sentido de se dirigirem a sistemas de opressão mais alargados: as pessoas que têm poder e dinheiro na comunidade de angariação de fundos para os direitos animais são primariamente homens brancos.Estas equipas executivas e círculos de doação insulares e mega-ricossão os principais resistentes à expansão do âmbito do movimento.

Uma publicação sobre justiça racial feita pela Humane League sumariza o problema sucintamente: “As grandes organizações de protecção animal dos EUA são predominantemente brancas, assim como são os seus conselhos executivos, as principais fundações que as apoiam e xsdoadorxs mais influentes.

A Humane League recebeu 17 milhões de dólares desde Fevereiro de 2016 da Open Philanthropy (OP), uma entidade financiadora do bem-estar animal de grande escala. No mesmo espaço de tempo, a OP deu mais de 123 milhões de dólares a causas veganas, e quase exclusivamente a organizações, grupos de mídia, faculdades e universidades pertencentes a e lideradas por pessoas brancas.

“Há muitos doadorxs [veganxs] que simplesmente não querem ver nada relacionado com Black Lives Matters; acham que desviam a atenção dos animais.”

A Mercy for Animals recebeu quase 10 milhões de dólares da OP desde 2016, perto de 8 milhões foram a Animal Equality (Igualdade Animal), e o GoodFoodInstitute (Instituto da Boa Alimentação), um grupo de promoção de carne celular, beneficiou de 6 milhões e meio. Lewis Bollard, director do programa da OP, não se mostrou disponível para uma entrevista com a Civil Eats, embora a sua equipa tenha partilhado uma comunicação assinada por outras entidades financiadoras brancas comprometidas emlidar como problema da branquitude filantrópica.

Estas vicissitudes criam barreiras à abertura da organização à causa da justiça racial, dizem membros internos. “Há muitos doadorxs [veganxs] que simplesmente não querem ver nada relacionado com Black Lives Matters; acham que desviam a atenção dos animais,”observa Alex Bury.

Após dois anos a fazer consultoria independente com grandesdoadorxs dos direitos animais, Bury decidiu focar a sua energia a ajudar a corrigir as falhas relativamente a questões raciais do movimento vegano branco. É agora vice-presidente de desenvolvimento no Vegan Outreach (Divulgação Vegana), que faz divulgação de base em comunidades com grande potencialidade para converter novxs veganxs (sobretudo em cidades universitárias) e está agora a trabalhar para apoiar comunidades racializadas, entregando milhares de refeições veganas gratuitas e, sempre que possível, provenientes de empresas pertencentes a pessoas racializadas. Faz também parte do conselho da Womxn Funders in Animal Rights (Mulherxs Financiadoras dos Direitos Animais), um pequeno grupo de angariadorxs e filantropistas que trabalham para canalizar fundos para organizações pequenas e lideradas por mulheres com equipas de liderança diversificadas, dando prioridade a projectos “por e para comunidades racializadas.”

Durante a pandemia COVID-19 este trabalho expandiu-se, dando ênfase ao financiamento directo de restaurantes e outras empresas do ramo alimentar veganos pertencentes a pessoas BIPOC, para os ajudar a providenciar refeições grátis para as suas comunidades. Organizações como a AWellFedWorld (Um Mundo Bem Alimentado) angariaram dinheiro com prioridades e modelos semelhantes.

Este trabalho coaduna-se com as necessidades expressas por líderes BIPOC.A frustração com fundações que financiam grandes organizações brancas para trabalhar com comunidades racializadas, ignorando o trabalho de campo feito por e para membros dessas comunidades, motivou um conjunto de líderes de uma dúzia de organizações a publicar “Uma Carta Aberta de Líderes BIPOC em Alimentação e Agricultura para Financiadorxs de Sistemas Alimentares”. Nela,condenam aquilo que vêem como “um padrão de práticas paternalistas que enraízam a nossa marginalização, reforçam a cultura da supremacia branca, e desvalorizam o conhecimento e o génio das nossas comunidades.”

A carta incluía modelos de métodos e organizações de angariação, recomendado às/aos financiadorxs que “invistam em financiamentos plurianuais irrestritos e que comecem a adoptar um modelo de atribuição de financiamento participatório com organizações encabeçadas por pessoas BIPOC, provenientes de comunidades BIPOC e que desenvolvem trabalho nessas comunidades.”

Financiamento sem compromisso é uma demonstração de esforço de colaboração e aliança, conforme activistas veganxs BIPOC  evidenciaram.Como O mowaleAdewale, fundador do BlackVegFest, disse recentemente ao Mercy for Animals, o verdadeiro apoio tem de vir sem “nenhum quid pro quo.”Nadia Muyeeb,colega de Omowale na organizadora do BlackVegFest, coloca-o desta maneira: “Não estamos à procura de salvadorxs. Queremos aliadxs que nos escutem quando dizemos que precisamos de recursos e respeito pelos nossos espaços negrxs.”

“Algumas organizações dão-te financiamento e depois querem dizer-te exactamente o que fazer, e não é assim que vejo as coisas,” disse NaijhaWright-Brown, proprietária do restaurante Land ofKush, que também é uma voz em assuntos veganos e líder da BlackVegSocietyof Maryland (Sociedade Vegana Negra de Maryland). “Olhem – fomos colonizadxs ao longo de séculos, e ninguém me vai dizer… como é que vou representar a minha promoção do movimento vegano… esse foi um grande problema.”

Land ofKush – que Naijha Wright-Brown gere com o seu marido – desde cedo beneficiou de um financiamento da A Well-FedWorld, e a pareceria funcionou porque, nas suas palavras, “a organização queria dar apoio a mais comunidades e organizações marginalizadas lideradas por pessoas racializadas,” e após darem o financiamento afastaram-se. “Eu adoro animais também, [mas] temos outras questões sociais que são igualmente importantes na nossa comunidade.”

Naijha Wright-Brown and Gregory Brown. (Photo courtesy of Land of Kush)Adicionar legenda

Wright-Brown também destaca aspectos positivos sobre escrever para Jane Velez Mitchell da plataforma mediática vegana Jane Unchained. “Ela está totalmente pelos animais, não vai negar isso,” disse Wright-Brown acerca de Velez Mitchell, mas “ela permitiu-me ter [conversas centradas em comunidades negrxs e castanhas (brown)] sem me dizer como o fazer.”

Mas estes tipos de dinâmica parecem ser raros. Quando líderes brancxs se recusam a incluir outros aspectos de justiça social nos movimentos pelos direitos dos animais, Alex Buryvê-o, em última análise, como estando inerentemente relacionado com questões de ego. “Quando homens brancos ajudam animais… os animais, eles nunca ameaçam o seu estatuto de poder, ou dinheiro, ou empregos,” afirmaBury, “Mas se ajudam pessoas racializadas ou mulheres, isso poderá significar que homens brancos terão de partilhar o seu dinheiro e posições de liderança com outras pessoas… Isso põe pessoas em posições de poder muito desconfortáveis”

O Caminho Adiante

A firma de consultoria de AryenishBirdie, Encompass, trabalha sobretudo com grupos de direitos dos animais que têm interesse em contratar mais pessoas racializadas e envolvê-las no movimento. A Encompasstambém reúne uma comunidade global de deactivistas pelos direitos dos animais BIPOC chamada “global majoritycaucus,” (convenção da maioria global) agora com mais de 100 pessoas.

Birdie diz que a sua base de clientes quintuplicou desde os protestos por George Floyd, mas que junto dos executivos de direitos dos animais de níveis hierárquicos superiores com quem trabalha, “ainda em estádios muito precoces de literacia racial”, ela estima que umverdadeiro progresso transformador está ainda a uma década de distância. “Precisamos de nos mover em direcçãoà responsabilização,” diz Birdie. “Há muitos grupos pela defesa dos animais que têm muito pelo qual pedir desculpa, edeveríamos estar mesmo a fazê-lo, para realmente fazermos reparações para com comunidades racializadas, e podermos falar sobre incluí-las.”

Aryenish Birdie. (Photo courtesy of Encompass)Adicionar legenda

Para financiar o seu próprio trabalho, Birdie encontra o “obstáculo extra” de ter que convencer fianciadorxs poderosxs que esforços para a diversidade e a inclusividade irão, em última análise, ajudar os animais. A maior parte do seu financiamento vem de financiadorxs dos direitos dos animais, ela diz-lhes que não só trabalharpara a inclusividade é a coisa certa a fazer, como também que abrir o movimento o vai fortalecer, o que ajuda, enfim, os animais.No entanto, esta propostadificilmente compete com organizações que dizem estar a ajudar animais mais directamente, confessa Birdie.

Enquanto financiadorxs e executivxs estão a ter conversas difíceis, membros de base do movimento vegano estão a aproveitar para se envolverem em conversas sobre questões raciais, questionando-se sobre o que a “raça” tem a ver com o sofrimento animais, e o que fazer em relação a isso.

“Se toda a gente se tornar vegana, o racismo vai continuar a existir,” diz a organizadora de eventos Gwenna Hunter. Há um mês atrás, Hunter começou uma página de Facebook chamada “Vegans for Black Lives Matter” (Veganxs pelo Black Lives Matter). A conversa que surgiu desta comunidade improvisada tem sido difícil, mas Hunter sente-se encorajada. “Ao ver a solidariedade, eu penso, ‘Esta é a comunidade vegana que eu conhecia e amava, de que eu pensava fazer parte’”.

Kyla Marie Cruz, uma vegana branca que gere, em Michigan, formações em anti-racismo e supremacia branca no movimento pelos direitos dos animais, começou por dizer à Civil Eats no final de Junho que “uma enorme quantidade de pessoas está interessada em fazer melhor e em ser melhor atravésde trabalho anti-racista e de verdadeiras colaborações e alianças.” Mas algumas semanas depois, Cruz tinha já visto “algum do fervor a esmorecer em muitxs delxs.”

“Vou sentir-me vazia se organizações e indivíduos não forem avante.”

Ela também reparou que “outrxs tantx sestão a reafirmar com mais vigora sua posição de que o movimento deve manter um foco singular. Muitxsdxs que estão dispostxs a ter conversas e estão abertxs à mudança continuam relutantes em examinar mais criticamenteo movimento como um todo, e as formas sob as quais as práticas e enquadramentos existentes operam no seio do movimento permanecem, em muitas maneiras, míopes e nocivas.

Líderes negrxs no terreno são clarxs quanto às suas expectativas. “Há quem esteja a tentar impulsionar o movimento examinando o que colaboração quer realmente dizer, as razões pelas quais se tornam aliadxs, e realmente praticarem o que apregoam,” disse Lori Kim Alexandre do BlackVegFest. “Mas está a chegar [apenas] agora,no rescaldo de milhares e milhares de mortes. Chegar a este ponto acarretou tanta dor e sofrimento.”

LoriKimvai acreditar em mudança real apenas quando a vir. “Vou sentir-me vazia se organizações e indivíduos não forem avante,” declarou.

Actualização: Pouco depois da publicação deste artigo, a Mercy for Animalsactualizou publicamente, e parcialmente, a sua declaração de missão para,“A Mercy for Animals existe para acabar com uma das maiores causas de sofrimento no planeta: a exploração de animais para alimentação.”